Medo. O medo é o ingrediente que nunca falta Em qualquer relação que se mantenha à base da força. Mas não o medo que os mais fracos têm de apanhar. O maior medo é aquele sentido pelos que possuem a força E a exercem sobre os que não têm. O medo da resposta O medo da revolta O medo da mudança. "Pesadelo" é uma música que fala deste medo Do medo que os tiranos sentem do povo. Naquela altura, era a ditadura militar que representava A tirania no Brasil Mas houve um outro regime de força Que durou muito, muito mais tempo E que deixou marcas muito mais profundas no espírito do país: A escravatura. Quanto tempo ela durou? 350 anos: mais da metade da idade do país. Quantas pessoas ela escravizou? Pelo menos 5 milhões Um recorde na história moderna, em números absolutos. Em números relativos, a concentração de escravizados Em território brasileiro só encontra rival no Império Romano. Onde estava a maioria deles? No Rio de Janeiro. Entre a chegada da família real portuguesa na cidade, em 1808 E os primeiros anos de independência Apenas um único cais, o cais do Valongo, sozinho Rrecebeu 500 mil africanos Por volta de 1840 quase metade da população da cidade Era de escravizados E no ápice do tráfico transatlântico o Rio de Janeiro Foi a maior cidade africana do mundo Isto é, concentrava mais africanos Do que qualquer cidade em África, na altura. E a cada número A cada cifra A cada navio que chegava com um novo carregamento de gente Para ser gasta, usada e brutalizada O que se multiplicava na mesma medida? O medo. O medo de um fantasma que pairava sobre toda a cidade: A revolta dos negros. E se de repente, na calada da noite A metade escravizada da cidade decidisse Não aceitar mais as correntes e a chibata? Será que a outra metade seria capaz de resistir? Com qual custo? Será que os negros teriam a coragem? Quanto tempo mais será que eles eram capazes de aguentar? Mais um ano ou dois? Mais dez anos? Mais um século? Mais uma semana? E se fosse amanhã? E se fosse hoje à noite?