Abre-me a porta mãe, 'tou a chegar Trago da escola coisas pra contar Cá pra mim já sabes Porque a diretora de turma avisou-me que te ia ligar Parou a aula pra me enxovalhar À pala da roupa que eu ando a usar E porque hoje trouxe um anel do chinês E a chapa ao pescoço posta num colar Quer ficar a par das companhias Se no intervalo eu ando no Sameiro A apanhar beatas, mas eu fumar um cigarro Tá pra chegar o primeiro Penso pra mim, o melhor que fazias Era dizer isso a frente de um espelho Que deves ter começado nesta idade E hoje dás aulas com bafo a cinzeiro Baggy jeans e o cabelo à Zé Milho Foi tudo aquilo que arranjaram pra apontar ao teu filho Tenha cuidado que ele é fino mas mantenha-o no trilho Porque a julgar pelo aspecto 'tá metido em sarilho Querem falar de mim, vou dar um motivo Comecei a pintar paredes da cidade onde eu vivo Sair pela rede éne vezes com lata Hoje rio-me da porcaria que fiz pra preencher o vazio O meu desenho acho lindo e é feio Como bazar do recreio sem que na escola eles vejam Na verdade, foi assim que ganhei Ainda que à margem da lei, a minha primeira HipHop Nation Quem diria que dos gunas ouviria lições de vida Além de mocas e de blocos de notas Com a vertente educativa que até aqui me traria Aquela mensagem positiva dos Dealema ou do Nokas Abre-me a porta mãe, 'tou a chegar Trago da escola coisas pra contar Cá pra mim não sabes Porque a diretora não tem um motivo para hoje te ligar A não ser que fosse a dar os parabéns Pelo crescimento do filho que tens Os prémios que ganha com aquilo que escreve As notas que tem, ficava-lhe bem mas Fica a pensar que a minha evolução teve o seu contributo na Figura de estilo, semântica e métrica foi tudo fruto da Rotina constante a consumir rap que ela censurou Foi lá que busquei identidade que ela ao me julgar quase me roubou, mas Sinto que vou buscar aquilo que é meu Sei de quem já há muito que me esqueceu Vejo que há um pouco de mim que lá morreu E hoje é o dia de eu levantar o véu Sinto que vou buscar aquilo que é meu Sei de quem já há muito que me esqueceu Vejo que há um pouco de mim que lá morreu E hoje é o dia de eu levantar o véu Abre-me a porta mãe, 'tou a chegar Vai-te parecer que 'tou a alucinar Juro que vi o futuro num sonho Em que a arte era a forma do homem se salvar Fonte em que a mente se pode banhar Espaço prá alma revitalizar A sala de espelhos, em que um homem nu Se fica a conhecer num olhar singular Espera um pouco, deixa acabar Que isto é arte em bruto, estou-me a lapidar Ninguém leva a sério o que eu falo Preciso de alguém a quem possa mostrar Sei que pra já são rimas em ar Mas se eu paro agora vou ficar sedado Vivo no quarto a rimar palavras E no fim do dia ainda acabo gozado Enfiado num sistema de ensino Que vandaliza quem ensina e espera ver-me no cimo Tiram-me as bases só pra ver se eu me auto disciplino Por isso escrevo o que sinto e decoro aquilo que rimo Depois de dez anos a comer calado Dentro do quarto fechado eu continuo a dar na música A única forma de passar o que penso Como passaram a mim e fazê-lo de uma forma lúdica Mãe, hoje dizem que o teu filho é crescido E quando apareço de gravata já não vêm defeito Quem diria que o miúdo com o futuro tremido Entrava numa faculdade pública de Direito Vim cá ver de que é que o país é feito Grandes artistas Génios, cobardes, homens de verdade Amigos, porcas e chupistas Tranca-me a porta mãe vou chegar tarde Abre-me a porta mãe que eu já cheguei Tentei fugir, fazer de novo Esquecer o rap, acho que falhei E eles dizem que vale mil palavras a imagem Só que imagem não define ninguém Eu fico para a ouvir a mensagem E comparar com a imagem que ela tem Betos e cromos, dreads e gunas Dão pelos nomes que a gente lhes dá E o dread que sonha fortunas é o Beto Que rouba trocos de amanhã E eu 'tou na rotina constante a fazer O som que ela censurou É lá que busco a identidade Que ela ao me julgar quase me roubou mas Sinto que vou buscar aquilo que é meu Sei de quem já há muito que me esqueceu Vejo que há um pouco de mim que lá morreu E hoje é o dia de eu levantar o véu Sinto que vou buscar aquilo que é meu Sei de quem já há muito que me esqueceu Vejo que há um pouco de mim que lá morreu E hoje é o dia de eu levantar o véu