Vou sacudindo a ossamenta No balanço do Mutim, Num rancho chão de cupim Nesse rincão missioneiro... E a fumaça do candieiro Vai adentrando na venta, E a cordeona se sustenta Abrindo e fechando o fole, Sonidos que a noite engole Sob a lua sonolenta. Don Adalberto abre a gaita Como um sagrado responso, Vem do rincão mais esconso Riscado de japecanga. O meu canto se arremanga Lavando a alma num verso. Mundo xucro, céu disperso Que se enreda na emoção, Na harmoniosa comunhão Dentro do meu universo. Ilheira e baixo conversam No mesmo vocabulário, Configurando o sacrário Do missal do rancherio. Um lampião treme o pavio Do vento que vem da porta, Na imagem que se recorta De quem baila e se sacode, Entra e se sai como pode Porque o resto pouco importa. Se eleva o pó na bailanta, Se agoa e segue de novo. É costume do meu povo O baile, dança, entreveiro... Gaita, violão e pandeiro Que diverte e acostuma, Sem diferença nenhuma Do sarau mais requintado, Nesse ronco abarbarado Que alma inteira perfuma. O rancho se enche de luz - Vaneira de pontesuela - Da gaita escapa uma estrela Alumiando todo o rincão. O céu vem morar no chão Em celeste forma divina Que enternece, que ilumina Como deusa e o paraíso, Transparecido em um sorriso Nos lábios de alguma china. Uma cordeona se abrindo, De campo inteira se veste. Capão de mato celeste, Segredo puro do embalo. É como um canto do galo Na minha querência reiuna. Nem o vivaz mais turuna Não sabe a importância exata... A gaita, mais que ouro e prata, Na terra é a maior fortuna.