Num dia cinzento vês o sol no fundo Brevemente terás no colo um puto A tua irmã dá-te a noticia ao telefone Que a tua mãe tem cancro no colo do útero O teu irmão emigrante tem apneia do sono Sem sonhos ele dorme ligado a um tubo A tua felicidade é efémera Não há uma idade eterna E rapidamente se torna um luto O que não me mata faz de mim adulto Mas ver a minha mãe com um tumor dá medo Quantas piadas eu fiz sobre cancro E p'ra me fazer de santo eu chamei de humor negro E a dor que carrego eu não vejo humor nisso Usei como desculpa a veia de humorista Mas isso foi ideia de corista Justificar males com areia p'ra vista EU! Cresci com fome mas fiz-me a vida Se não havia comida, não havia azia O meu pai punha a minha de barriga cheia E depois tinha filhos de barriga vazia Depois de tanta porrada Ela só merecia ser feliz Mas sempre quis o que não teria Agora tem que olhar ao espelho E ver cabelos a cair com a quimioterapia (Desordem!) Eu sei que ela se sente sozinha E as lágrimas caem de tanta amargura Azar no amor, azar na saúde P'ra acabar entrevada numa cama dura Numa ala escura do hospital Ela chora por aquilo que podia ter sido Porque nunca tentou corrigir os erros Apenas quis substitui-los Fez escolhas erradas Hoje está arrependida Mas águas passadas não movem moinhos Por isso mãe podes contar comigo Porque este é um exemplos Que quero dar aos meus filhos Ser negligenciado em criança Fez-me criar uma mascara p'ra filtrar o cinismo Falta de confiança faz-me querer estar sozinho Eu desenvolvi um síndrome de achar tudo negativo (Desordem!) O meu irmão emigrou com 3 filhos p'ra França Porque cá não tem rumo ou o apoio que precisa E fui bulir nas obras sem estudos sem horas de saída Faz turnos de noite e de dia Num pais desconhecido ele sofre de racismo E tem os putos na escola que não percebem a língua E teve um acidente de trabalho Que lhe deu uma lesão para o resto da vida É mais fácil julgar do que tentar ajudar Eu não sou homem de passar paninhos Sempre fui daqueles que arranca pétalas as rosas E fica a admirar os espinhos Sempre senti uma raiva interior e rancor Que me fizeram afastar os amigos E se não houvesse ninguém a volta para eu culpar Eu ia descarregar nos vizinhos (Desordem!) Sempre fui egoísta, egocêntrico, o Original O resto nem cópias são Ao ponto de quando morrer Querer ser enterrado pelas minhas próprias mãos Sempre me senti um Deus a olhar p'ros cristãos Não me peçam a mão só hipócritas dão Eu chego ao paraíso cuspo na maçã Espanco a Eva com a cobra E fuck you ao Adão Porque tu para cresceres e pra te protegeres Contróis um muro a tua volta E as pessoas procuram uma entrada Mas ficam só a andar a roda Porque tu... Criaste uma redoma onde o orgulho Não te deixa abrir a porta Quando dás por ti tas trancado lá dentro E com a chave do lado de fora DESORDEM! É aquilo que eu vivo e que exponho Não há vidas de sonho e aventuras DESORDEM! Narro realidades vividas Tu sentes vergonha e censuras Agora vou ser pai A minha mãe tem cancro O meu irmão ta doente E vive tão distante Não falo com o meu pai Tenho problemas no banco Eu 'tou com trinta e tais O tempo passou num instante DESORDEM! DESORDEM! É aquilo que sinto e que exprimo Nas palavras que eu profiro Todos dias rego o meu jardim Isso foi o que aprendi em palavras do porfírio A cabeça as voltas vai explodir em brasa Já não há ordem que a endireitasse Eu cresci em desordem, sempre vivi em desordem Mas essa é a desordem que me faz sentir em casa DESORDEM! DESORDEM! DESORDEM!