Quando às vezes ponho diante dos olhos A lusitana viagem medonha que eu dobrei Os tormentos passados e os fados que chorei Arde o corpo em oração entre pecado e perdão Agonia o coração e arde o corpo Do cotovelo da terra á pestana do mundo Fui treze vezes cativo dezassete vendido Mataram os mares milhares num gemido Ai de mim sou missionário Foge cafre já sou corsário Marinheiro voluntário Ai de mim Quando às vezes ponho diante dos olhos A fúria da onda tremenda rasgada no vento O assombro da fronha de um monstro Que horrenda estampada no breu Ai meu Deus o aperto em que estou Olha o cobre e o ouro Olha o bobo que eu sou Que se escapa o tesouro Que me dá a fraqueza Enriquece bandido A saudade do Tejo O inventário da presa Meu amor dá-me um beijo Afasta-o do sentido E lá vou eu desvalido Quando às vezes ponho diante dos olhos Os trabalhos tremendos, os perigos que passei O Inferno maldito Infinito que afrontei Vem à boca uma prece A alma inteira estremece Arde Grita Enlouquece E vem à boca Um amargo de morte arrefece-me o corpo Um grande medo Meu Deus Que estala no peito Só o meu coração respira amores perfeitos Que eu nem conto em segredo Que eu risquei do enredo Num latino arremedo Que eu nem conto Quando às vezes ponho diante dos olhos Cobras Lagartos Mostrengos Horríveis Sarnentos O delírio dos rios Das selvas ardentes Da febre a queimar A matar Terra à vista Atenção Espia como mercador Eu cá sou benfeitor Assalta como ladrão Olha o rombo na quilha Olha a tua quadrilha Quem me dera estar longe Empunha o machado Ser um anjo ser monge Aguenta safado Sendo o mais enjeitado III De Lisboa p' rá Índia Da Tartária ao Sião Da China à Etiópia De Ormuz ao Japão P' lo Cabo do Mundo Passei por um triz Da Ilha Maluca À Arábia Feliz São de todas as cores As paixões os ardores Na voragem do cio O amor aplacado Entre esteiras deitado No porão do navio Vai o sonho entornado Quando às vezes ponho diante dos olhos As guerras Assaltos e gritas O sangue a jorrar A alagar Os turcos Senhora bendita Lançados ao mar A afundar Tangendo panelas P'ró diabo que os leve Infiéis tagarelas Filhos de Mafamede Ai da vossa cegueira Dispara O roqueiro No rescaldo da afronta Amordaça o escravo Rezo pela desconta És cruzado és um bravo Dos pecados sem conta IV De Lisboa p' rá Índia Da Tartária ao Sião Da China à Etiópia De Ormuz ao Japão P' lo Cabo do Mundo Passei por um triz Da Ilha Maluca À Arábia Feliz São de todas as cores As paixões os ardores Na voragem do cio O amor aplacado Entre esteiras deitado No porão do navio Vai o sonho entornado Foi de fio a pavio P'ró diabo que os leve Infiéis tagarelas Filhos de Mafamede Ai da vossa cegueira Dispara o roqueiro Amordaça o escravo És cruzado és um bravo Espia como mercador Assalta como ladrão Olha o rombo na quilha Empunha o machado Olha a tua quadrilha Aguenta safado Dos pecados sem conta És o mais enjeitado O aperto em que estás Olha o cobre e o ouro Que se escapa o tesouro Que te dá a fraqueza Enriquece bandido No rescaldo da afronta Ai quem te dera estar longe Ser um anjo ser monge Reza pela desconta Entre apupos e gritas De mãos alevantadas Treme o bom jesuíta Ai Jesus que embrulhada Em pouco mais de dois credos Dois mil mortos no chão Pelejando um milhão Soçobrados em sangue Estalam mil bofetadas No traseiro de um cafre Sobrevoa o milhafre Seis cabeças rachadas Muitas feridas e chagas Numa grande chacina Entre insultos e pragas Chovem panelas de urina Vinte e três afogados Trinta e quatro perdidos Nus e ajoelhados Sem contar os aflitos Pelas pernas abaixo Vai o pobre de mim De Quedá a Samatra De Malaca a Pequim Fugindo a sete pés Quando estoira o convés Perde-se ouro o provento A prata fina a saúde Mas glória santa me ajude A dar graças a Deus Misericórdia infinita Pois eu não me lamento Se ao fim de tantos tormentos Escapei deles com vida O Senhor seja louvado Santos apostolados Viva eu entre os mortais Pois não mereci mais Por meus grandes pecados