É aqui onde crescemos
Que vamos criar os nossos bebês?
Entre as ruínas de fábricas
Onde só sobram chaminés
Onde comércio e os serviços
Já tiraram estaminés
Não se vê o posto fronteiriço
Mas há uma linha que lhes protege
Nem preto, nem mestiço
É tudo merda p'ra quem nos rege
De quatro em quatro anos falam disso
E depois cagam p'ra quem lhes elege
Onde a CMTV, chupa sangue
Pa' encher os rodapés
A ACM só vê onde há sangue
Pa' chupar o dinheiro da UE
Igrejas ao desbarato
Espalham os boatos na nossa fé
Projetos sociais em aparato
Controlam pretos e cales
Cidadania que se restringe
Só a quem nasce com pele bege
Que ao fim do dia dança e finge
Que até gosta da nossa tez
E cada crise que nos atinge
Tás mais à rasca, mais resvés
Cada geração que chega aos 15
Sai da casca, mais herege
Sem bibliotecas, nem jardins
Só vejo tascas e cafés
Produtos com rótulo mandarim
Merceeiros do Bangladesh
Restam placards e boletins
De euro milhões, sonhar bués
16 bars são trampolins
Fazer canções, que dão cachês
Pegar na bola, partir rins
Sonhar em ter o nome no pé
Mas corações viram ruins
Quando só come um em cada dez
Pozinhos de pirlimpim, pinlin no fim
Estás dentro a cumprir dez
Não se olha a meios pá chegar a fins
Confins que o centro deu com os pés
Das pirâmides e da esfinge
Viemos parar nos seus pés
Da pirâmide social
Onde o que tens dita o que tu és
Sonhei que no meu bairro
Íamos montar um quilombo
Acordei com um tombo
Sonhei que no meu bairro
Íamos matar o Colombo
Acordei com um tombo
Afinal, isto é uma jaula
Onde puseram o leão
E ensinaram-lhe a ter orgulho
Na sua própria prisão
O gueto é uma jaula
Onde puseram o leão
Pa' levar vida de cão
Um dormitório, um reservatório
De serviçais, uma senzala
Onde a lei que diz que somos iguais
Não nos iguala
Inquilinos tem estatuto de preso e reina a bala
Condenados da terra, ao chuto e desprezo
No meio de uma ala
Neste regime de trabalho forçado
Que escraviza com um salário
Regime de consumo forçado
Que hostiliza quem não tem salário
A mercê dos cartéis
Do ramo imobiliário
Que nos tiram de onde querem
Hotéis num derrame comunitário
Contentores do desespero
Prisões da miséria
Expulsos do coração da cidade
Reclusos nas artérias
Sem voto na matéria
Vistos como demónios
Por quem faz dos nossos corpos
Seu despojo e patrimônio
Onde brothers são rivais
Com base em códigos postais
E abrem buracos letais
Em filhos enterrados pelos pais
A defender localidades
Em vez de defender os locais
Mas 'tamos todos no mesmo barco
Que vai vender-nos no cais
Sonhei que no meu bairro
Íamos montar um quilombo
Acordei com um tombo
Sonhei que no meu bairro
Íamos matar o Colombo
Acordei
Caminhos aqui não vão à Roma
Mais rápido vão a Sodoma
Tá no aroma, este lugar é feito com sangue
Não pises aqui se não tens estômago
Aroma de corpos fechados no porão
A que se soma
Aroma do café e algodão
A que se soma
Aroma de WC e do betão
A que se soma
O ódio pelo preto, um branco pobre
E um Roma e que soma
É como ser marcado com ferro quente
Logo no cromossoma'
E a minha mãe queria que eu chegasse
A casa com um diploma
Cheguei a casa com um hematoma
Não queria chegar na casa p'ra falar
Mamãe, hematoma
Um dia nunca chega na casa, polícia toma
Este bairro que faz manchete
Encheu de votos um vereador
Este bairro que faz manchete
Encheu os bolsos a um construtor
Este bairro que faz manchete
Encheu a barriga a um mediador
Mas esta casa em tijolo de sete
Num inverno, já tem bolor
No tempo frio, tu paga 200 euro de aquecedor
Pa' senhorio, mim é praga
Estrangeiro, que é morador
Com o graffiti dessa empena
Arranjava os canos e o elevador
E neste sítio a vossa pena
Causa mais danos, mais dor
E achas que é coincidência
Onde tu foste realojado?
Com um vento forte, a violência
E um aterro sanitário ao lado
A superesquadra, a autoestrada
Cheia de monóxido de carbono
A recolha do lixo atrasada
E os canteiros ao abandono
Lá onde fica a siderurgia
Ou a fábrica de adubos
Lá onde já não sabesse se é mesmo água
Aquilo que te sai dos tubos
Só sabes que circulam tóxicos
No ar e nas e nuvens
E tu tens, que pagar 20 euros
Cada vez que tu vens ao hospital
Mais dez pelos transportes
Ou morres em casa, nesse inóspito vale
Com alta incidência de cancro
Diabetes, asma e bronquite
Não é coincidência
Vê onde fica a nossa street
Não é coincidência, que antes moravas
Perto de comboios e autocarros
E agora moras onde só saem
Aqueles que têm carros
E autocarros passam cheios
De hora em hora e com demoras
E tens que sair duas horas
Antes para chegar no bules a horas
Mas chegar num bules agora
É privilegio de uma minoria
Porque cada vez mais de nós
Estão encostados a ver passar o dia
E ao fim do dia são encostados
E acabam no chão com hemorragia
Qualquer semelhança com uma prisão
Não é ficção, não é fantasia
Sonhei que no meu bairro
Íamos montar um quilombo
Acordei com um tombo
Sonhei que no meu bairro
Íamos matar o Colombo
Acordei com um tombo
Sonhei que no meu bairro
Íamos montar um quilombo
Acordei com um tombo
Sonhei que no meu bairro
Íamos matar o Colombo
Acordei!
Onde abundam os supermercados baratos
O sal, gordura, açúcar, hidratos
Onde há um genocídio
Com os mesmos nitratos
Com puseram nas bombas
E hoje põem nos pratos
Hormônios, bactérias, carnificina
Esterilizações, antibióticos, vacinas
A escola elimina brothers no currículo
Ficas mais só, quando passas de ciclo
Miséria, descrença, inveja e discórdia
Pedras, álcool, puta mixórdia
Jogos, apostas são misericórdia
Ódio arrasa a esperança e fode-a
Mas o gueto só vence quando a comunidade
Deixou de se amar e perde afeto
Na rua no prédio, reina a crueldade
Já não há um lar, ficou só um teto
O gueto só vence quando a comunidade
Deixou de se amar e perde afeto
Na rua no prédio, reina a crueldade
Já não há um lar, ficou só um teto
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