O morto era bem mais velho do que eu Mas tinha menos idade Na verdade, talvez nem nasceu Ou morreu de saudade por ver o seu tempo passar Ou morreu de ansiedade por não ver seu tempo chegar O morto era bem mais homem do que eu Mas nos seus traços de fêmea Um casal de almas gêmeas num corpo ateu Talvez fosse mesmo blasfêmia dizer que morreu de amor Esperando pela cura ou por um leito no corredor O morto era só Um morto comum Ninguém teve dó Melhor, menos um O morto era bem mais branco do que eu Mas em sua pele escura As marcas da tortura que recebeu É claro que o negro não sofre preconceito racial Se o deus branco lhe deu direitos iguais Aos de um homem normal O morto era bem mais pobre do que eu Mas escondia a riqueza Que vestia num rei trapos de plebeu Quem sabe se escreveu seu nome na avenida principal Quem sabe se morreu de fome, ou de frio Quando abriu o sinal O morto era assim Mais um que morreu Tão igual a mim O morto era eu