Quando eu era criança Minha prima mais velha Quase uma mulher Ela dizia Bordava as solas dos próprios pés Com uma linha crua Fazendo geometrias Escrevendo palavras Desenhando ponto por ponto Relevo que, no entanto, não sangrava "É o trabalho da mulher", ela dizia Como se contasse um segredo Como se transmitisse uma ideia Ou uma doença E às vezes, ficava dias com as palavras paz Pressionada contra o chão A linha escurecendo de sujeira Mesmo que ela se banhasse Aquela palavra "paz" Encardida em sua pele Como um arremedo De uma beleza distante E hoje que eu estou crescida E que sou eu mesma uma mulher Com toda certeza, confesso que não sei bordar Em outro tecido que não seja minha pele Mas diferente da minha prima mais velha Que agora mora sob uma lápide no cemiteriozinho do monte Eu sangro, eu sangro muito Especialmente quando bordo as palavras "paz", "liberdade" Ou meu próprio nome Ou meu próprio nome