Tenho a vista tapada por dois metros de betão Este muro à minha volta tira a voz ao quarteirão Cercado p'lo meu muro no mundo da ilusão Julgo ser o que não sou com voto de afirmação A barreira que limita o que o mundo me entrega É a força que me fecha na sombra que me cega Protecção mal inventada, medo cresce no jardim Relação fica cortada, falta água no jasmim Embrulhado na rotina vejo a terra a secar Há uma janela por abrir e uma cortina por fechar Tenho a porta barricada, cada ferida é pedregulho Cada gesto de afecto vira volume no entulho Cobardia camuflada na postura reservada É o medo de entregar e receber em troca nada Perder o calor do dia enquanto pinto a alegoria Onde há dois corpos sobre a cama a reagir em sintonia Quero ver pr'além deste céu nublado Quero ser maior que este muro alto Ver a luz na sombra que me prende aqui Ver pr'além deste céu nublado Ser maior que este muro alto Ver a luz na sombra que me prende aqui Tudo vai por água abaixo, cada plano feito Cada defeito vira estaca espetada no teu peito Duvidas do teu valor, congelas a emoção Aumentas o tamanho do muro que limita a acção Num jardim cheio de terra, onde Inverno é todo o ano Existe uma folha fria para cobrir cada plano A parede está mais perto e a rua mais afastada Na mesa da sala há só uma cadeira ocupada Comes com o vazio e a comida sabe a nada Afogaste o teu reflexo em água desperdiçada Rompe o tédio com coragem, tira a corda do braço É o amor que te liberta e tudo o resto é fracasso Não ter hora p'ra partir, não ter hora p'ra chegar É deitar abaixo o muro que não deixa a luz entrar Num ideal mais elevado, ver o mundo acompanhado E perceber que estar em casa é um espaço a teu lado Ergui um muro para ti. Plantei-o quando partiste. O meu reflexo tomou o teu lugar E a mágoa dançou com o meu corpo. Vi uma luz, uma sombra, um silêncio, um espaço. Só um muro. Num espaço. Num espaço. Sem um muro.