Você me olhar por entre a cortina E fica intrigado com a minha falta de apetite Tem pena porque eu não como nada E nem bebo bebidas de mil cores Você não entende por que de vez em quando Eu como uma pêra pra não morrer? Ah, se você soubesse o motivo de tamanho jejum Se coubesse dentro das tripas o paladar O paladar que quero das coisas Se entendesse o que nutre a minha vida Você ficaria de boca aberta Se soubesse da água que dá na minha boca Quando vejo os momentos gostosos E não me deixam abocanhá-los Eu tenho fome sim! É a maior de todas Minha fome é voraz De comer mundos e mundos Não como, como vê Mas se eu começasse a comer Começaria te comendo E te comeria todo Comeria as pessoas com suas bundas e seus corações Com seus seios e sapatos e mais As fivelas lustrosas que elas deixaram de usar Eu comeria com prazer, babando pelos cantos da boca Minha mãe e meu pai Meus irmãos e minha avó Lamberia as pedras Sugaria as folhas Mastigaria as vidraças, os bustos das praças Atacaria supermercados e E comeria todas as ameixas pretas E devoraria também todos os almanaques Nas bancas de gibis É uma solitária imensa que existe dentro de mim E cresceu comigo essa solidão E por todos esses anos desenvolveu-se em mim o gosto por tudo Comer crianças e comer cavalos Comer rolhas e fezes e me embriagar em canaviais Então saquearia festas pra comer croquetes e chupar aniversariantes Lamber beirados, as sobras e beber dúzias de mil doses De dia comeria as balconistas e as empregadas E de noite comeria bêbados e prostitutas E comeria terra, húmus, umidade, malária, aranhas e a fruta temporã E comeria flores, rãs e crisálidas Ainda nada me saciaria Nem bem comeria as batatas Já desejava comer Marina E pensando em comer Marina Já desejava saudade e mais Mastigar espinhos, triturar verdades, devorar cantigas Digerir abóboras e sempre comer mais Comer moinhos de vento, comer montanhas Cidades, peixes, rios, mistérios Sonhos e naves Ah A minha gula é sem fim É uma fome enorme de vida De provar toas as coisas, todas Comer nuvens e comer barro E é tanta fome de vida Que eu engoliria a morte Pra provar o sabor da eternidade Bento Nascimento