Ai tristeza!, Eu jurei nunca mais cantar o fado. Foi por amor que o calei, Por amor ao meu namorado. Que o fado é mau, Corrompe a alma Com demónios, manjericos, Santo Antónios, amores vagos Episódios de faca e alguidar. Ainda para mais é um negócio de direita Que esta malta aproveita para se vangloriar. "Fica aí no teu cantinho!" Diz-me assim, com carinho, Meu amor, para não cantar. Meu amor, mas o destino Não se roga e fez ouvidos moucos Ao que fiz jurar. Aqui me tens a confessar: "Foi apenas o destino Que é cruel e pequenino E nos quis vir separar!" Ai tristeza! Podem ver quebrada aqui já a promessa. E esta voz canta a doer "Sem fado nem amor, que resta?" O fado não é mau, Não é um crime ou um defeito, É um emaranhado de cordões Que nos entrelaça o peito E precisa de ser solto. Corre o risco de sufoco Quem prende o fado na voz E anda ali com aqueles nós A apertarem na garganta. É mais rico quem o canta; Pobre quem lhe dá prisões. Tu e eu não somos dois! Meu amor, tens de pensar Que isto é pegar ou largar! São estas as condições: Tu e eu e as canções! Um peito que canta o fado Tem sempre dois corações!